quinta-feira, 30 de abril de 2020

PRA VER A BANDA PASSAR, CANTANDO COISAS DE AMOR - A BANDA - CHICO BUARQUE DE HOLLANDA


Nunca escondi de ninguém, que estou bem longe de ser um grande fã de Música Popular Brasileira. Nesses anos todos, acho que não chegam a dez as que já apareceram aqui. Mas uma grande música é uma grande música. É do mundo, do universo, não importa se é rock, ou xote ou uma simples e bela marchinha que marcou a vida de muita gente. Nesses tempos de quarentena, confinamento, isolamento social, prisão domiciliar e volta da repressão, a gente aproveita para relembrar um dos grandes momentos da história da MPB nos anos sessenta - “A Banda” de Chico Buarque de Hollanda.
“A Banda” é uma das canções brasileiras de maior sucesso em seu tempo e continua a agradar ouvidos e encantar pessoas de diferentes idades até hoje. Com uma letra que buscava o lirismo das cantigas populares e diferenciava-se das pesadas músicas de protesto da época, “A Banda” ganhou seu espaço levando, como bem disse Carlos Drummond de Andrade, o "amor" como vacina "contra o feio, o errado, o triste, o mau, o absurdo" que os brasileiros presenciavam na época da Ditadura.
Com “A Banda”, Chico Buarque de Hollanda venceu o II Festival de Música Popular Brasileira da Record. Mas dividiu o prêmio e a preferência do público com a canção “Disparada”, de Geraldo Vandré, defendida no festival por uma interpretação de Jair Rodrigues“A Banda” foi composta em um dia. “Veio a imagem de uma banda passando, a ideia da letra e pronto. Eu fiz quase inteira de estalo”, disse o compositor. “A Banda” foi o seu primeiro grande sucesso, uma de suas marcas registradas, a música que tornou Chico Buarque nacionalmente conhecido. E, para esta façanha, o festival da TV Record foi muito importante.


“A Banda” nas eliminatórias era apresentada por Nara Leão, acompanhada de uma orquestra de metais. O então diretor Manoel Carlos achou que a letra ficava inaudível. Então, sugeriu que Chico Buarque iniciasse a performance tocando “A Banda” ao violão e somente depois Nara entrasse com os metais. A apresentação ficou mais forte e “A Banda” chegou ao final, competindo com “Disparada”, de Geraldo Vandré e Théo de Barros e interpretada por Jair Rodrigues. A plateia se dividia. Pareciam duas torcidas de futebol. Percebendo que ganharia, Chico Buarque sugeriu à produção que fosse declarado empate e que os compositores dividissem o prêmio, ameaçando não recebê-lo caso fosse declarado vencedor sozinho. O resultado oficial foi, então, um empate. Mas o produtor Zuza Homem de Mello, quase 40 anos depois, revelaria que, na verdade, houve um vitorioso. Por 7 votos a 5, “A Banda” ganharia o festival. Mas o clima tenso foi determinante para que a sugestão de Chico Buarque prevalecesse. O compacto com a música, gravada por Chico e Nara, foi lançado após o festival e chegou a 100 mil cópias em apenas uma semana. A gravadora resolveu, assim, pôr nas lojas o primeiro disco do cantor, “Chico Buarque de Hollanda”. A banda passou e levou Chico Buarque para uma carreira brilhante.

Para encerrar com chave de ouro, a gente confere aqui a crônica de Carlos Drummond de Andrade, para o jornal 'Correio da Manhã', do dia 14 de outubro de 1966.

"O jeito, no momento, é ver a banda passar, cantando coisas de amor. Pois de amor andamos todos precisados, em dose tal que nos alegre, nos reumanize, nos corrija, nos dê paciência e esperança, força, capacidade de entender, perdoar, ir para a frente. Amor que seja navio, casa, coisa cintilante, que nos vacine contra o feio, o errado, o triste, o mau, o absurdo e o mais que estamos vivendo ou presenciando. A ordem, meus manos e desconhecidos meus, é abrir a janela, abrir não, escancará-la, é subir ao terraço como fez o velho que era fraco mas subiu assim mesmo, é correr à rua no rastro da meninada, e ver e ouvir a banda que passa. Viva a música, viva o sopro de amor que a música e banda vem trazendo, Chico Buarque de Hollanda à frente, e que restaura em nós hipotecados palácios em ruínas, jardins pisoteados, cisternas secas, compensando-nos da confiança perdida nos homens e suas promessas, da perda dos sonhos que o desamor puiu e fixou, e que são agora como o paletó roído de traça, a pele escarificada de onde fugiu a beleza, o pó no ar, na falta de ar. A felicidade geral com que foi recebida essa banda tão simples, tão brasileira e tão antiga na sua tradição lírica, que um rapaz de pouco mais de vinte anos botou na rua, alvoroçando novos e velhos, dá bem a ideia de como andávamos precisando de amor. Pois a banda não vem entoando marchas militares, dobrados de guerra. Não convida a matar o inimigo, ela não tem inimigos, nem a festejar com uma pirâmide de camélias e discursos as conquistas da violência. Esta banda é de amor, prefere rasgar corações, na receita do sábio maestro Anacleto Medeiros, fazendo penetrar neles o fogo que arde sem se ver, o contentamento descontente, a dor que desatina sem doer, abrindo a ferida que dói e não se sente, como explicou um velho e imortal especialista português nessas matérias cordiais. Meu partido está tomado. Não da ARENA nem do MDB, sou desse partido congregacional e superior às classificações de emergência, que encontra na banda o remédio, a angra, o roteiro, a solução. Ele não obedece a cálculos da conveniência momentânea, não admite cassações nem acomodações para evitá-las, e principalmente não é um partido, mas o desejo, a vontade de compreender pelo amor, e de amar pela compreensão. Se uma banda sozinha faz a cidade toda se enfeitar e provoca até o aparecimento da lua cheia no céu confuso e soturno, crivado de signos ameaçadores, é porque há uma beleza generosa e solidária na banda, há uma indicação clara para todos os que têm responsabilidade de mandar e os que são mandados, os que estão contando dinheiro e os que não o têm para contar e muito menos para gastar, os espertos e os zangados, os vingadores e os ressentidos, os ambiciosos e todos, mas todos os etceteras que eu poderia alinhar aqui se dispusesse da página inteira. Coisas de amor são finezas que se oferecem a qualquer um que saiba cultivá-las, distribuí-las, começando por querer que elas floresçam. E não se limitam ao jardinzinho particular de afetos que cobre a área de nossa vida particular: abrange terreno infinito, nas relações humanas, no país como entidade social carente de amor, no universo-mundo onde a voz do Papa soa como uma trompa longínqua, chamando o velho fraco, a mocinha feia, o homem sério, o faroleiro... todos que viram a banda passar, e por uns minutos se sentiram melhores. E se o que era doce acabou, depois que a banda passou, que venha outra banda, Chico, e que nunca uma banda como essa deixe de musicalizar a alma da gente." Carlos Drummond de Andrade - Correio da Manhã, 14/10/66

Um comentário:

Sheila disse...

Adorei!