sexta-feira, 1 de fevereiro de 2019

PETER BROWN ESCREVE SOBRE OS BEATLES


A marca de Peter Brown nos mundos da música, entretenimento e comunicações começou como parte da equipe de gerenciamento dos Beatles. Quando os Epsteins abriram uma segunda loja em Whitechapel em Liverpool e colocaram Brian Epstein no comando, Brian frequentemente atravessava a rua até a loja de departamentos da Lewis (que também tinha uma seção de música), onde Brown estava empregado. Ele observou a técnica de vendas de Brown e ficou impressionado o suficiente para atrair Brown para trabalhar para a NEMS com a oferta de um salário mais alto e uma comissão sobre as vendas.Brown tornou-se um confidente da família Epstein e dirigiu a loja de música para Epstein antes de se tornar parte da equipe de gerenciamento dos Beatles. Brown foi assistente pessoal de Epstein e dos Beatles durante a década de 1960. Ele foi um dos poucos a ter contato direto com cada Beatle, viajando pelo mundo inteiro com os membros da banda e conhecendo seu paradeiro diário.

Brown atuou como membro do conselho da Apple Corps, empresa dos Beatles, que ele ajudou a estabelecer. Após a morte de Brian, Brown assumiu muitas das tarefas de gerenciamento do dia-a-dia que Epstein havia desempenhado. Brown estava com os Beatles em Rishikesh em 1968, e também foi testemunha do casamento de Paul e Linda McCartney e padrinho no casamento de John Lennon e Yoko Ono em 1969. Lennon mencionou Peter Brown em uma linha de "The Ballad Of John & Yoko" - "Peter Brown ligou para dizer 'Ok', você pode se casar em Gibraltar perto da Espanha", um dos últimos singles dos Beatles.
Depois que os Beatles se separaram em 1970, Brown tornou-se presidente e diretor executivo da Robert Stigwood Organization. Em 1977, Brown formou a Entertainment Development Company. Ele fundou a Brown & Powers, uma empresa global de relações públicas em 1983, que se tornou BLJ Worldwide. É presidente emérito da Literacy Partners, membro do Comitê de Direção dos EUA para o Prêmio Duque de Edimburgo, membro da diretoria da British American Business, membro do comitê de seleção do Prêmio Artístico Achievement de Lee Strasberg e membro do conselho dos associados americanos do Teatro Nacional da Grã-Bretanha. Brown co-escreveu com o autor Steven Gaines "The Love You Make"- O Amor que Você Faz - (confira aqui), uma biografia dos Beatles publicada em 1983. O parceiro de negócios de Peter Brown, Mike Holtzman, Presidente Global da BLJ Worldwide disse: "Estamos muito orgulhosos da disposição de Peter em compartilhar suas experiências daquela época incrível. Ele realmente esteve no centro da tempestade musical e cultural que os Beatles desencadearam e suas percepções continuam a nos lembrar de algumas verdades universais sobre a história". No último dia 26 de janeiro, Peter Brown, publicou um importante ensaio no Financial Times para celebrar o 50º aniversário do lendário último concerto dos Beatles, sua última performance ao vivo como banda. O show improvisado ocorreu em uma tarde fria de janeiro em Londres, no telhado do prédio onde a Apple Corps estava sediada. O texto foi publicado na seção de Artes do Financial Times e aqui a gente confere inteirinho.Em 30 de janeiro de 1969, os Beatles - banda que redefiniu a música e a cultura popular em um arco criativo de apenas oito anos e com quem trabalhei por todo aquele período esfuziante - fizeram um show importante no topo de um edifício em Londres, imortalizado como "the rooftop concert". O show, com seis músicas, foi realizado no topo do número 3 da Saville Row, edifício que tínhamos comprado para servir como sede da Apple Corps, a aventurosa companhia multimídia criada pela banda. Ainda que nenhum de nós estivesse ciente disso na época, aquela seria a última apresentação deles ao vivo como banda. E, em se tratando de shows de rock, foi excelente. No topo gelado daquele edifício londrino, vi e ouvi tudo que os Beatles tinham de excelente. O humor, o "look" (John e Ringo fizeram o show usando os casacos de suas mulheres) e, é claro, a música. Mas também vi o desgaste e a amargura que já se despejavam pelo meu escritório na Apple, da qual havia sido nomeado diretor-executivo um ano antes, depois de passar a maior parte da década de 1960 trabalhando para Brian Epstein, o empresário da banda. Ouvi "One After 909" - uma música que a banda costumava tocar em casas noturnas, nos seus primeiros anos - como um apelo pela inocência e otimismo dos dias anteriores à era Fab Four, quando eles sonhavam que um dia chegariam "ao topo mais alto do que há de mais pop". Ouvi "Don't Let Me Down" como um apelo por comunhão de John Lennon ao seu grande amor e parceira na arte, Yoko Ono. Comparada aos Beatles limpinhos do começo dos anos 1960, a banda parecia mais solta e mais desgastada, encerrando a década e sua carreira com um estrondo e um suspiro de alívio. Historiadores adoram números redondos e, ao chegarmos ao 50° aniversário do show, sem dúvida haverá discussões sobre os acontecimentos daquele dia e sua importância. O fim do capítulo dos Beatles como uma banda ao vivo. Um esforço desesperado para "Get Back" à alegria dos dias iniciais. Uma tentativa de encerrar o documentário "Let It Be" da melhor forma. O canto do cisne dos Beatles. Ideia de Paul. Ideia de John. Ideia do engenheiro. Uma produção longa. Show espontâneo. Nenhuma das anteriores. Como a música, a história é mais arte que ciência. Recordando o "rooftop concert", é possível registrar quantas canções foram tocadas. Quem estava lá, quem cuidou da gravação, que acordes George tocou no encerramento de "Dig a Pony", e assim por diante. De fato, estudiosos dos Beatles como Mark Lewisohn dedicaram suas vidas a registrar a história da banda, com base em anotações rabiscadas e todos os registros escritos. A história não é só aquilo que aconteceu, mas como recordamos o acontecido. Lembranças se esvaem. São distorcidas por vieses ou alteradas pelo álcool ou drogas. No caso dos Beatles - um dos fenômenos culturais mais discutidos e documentados de todos os tempos - a história da banda sempre foi particularmente vulnerável a fábulas, por um lado, e ao saneamento, por outro. O amor pela fábula é intenso. No final da década de 1960, tive que procurar Paul McCartney nas Highlands da Escócia, para "provar" à mídia que ele não tinha morrido. E todo mundo que conhecia os Beatles de perto sabe que Yoko Ono não causou o fim da banda. O saneamento é igualmente avesso aos fatos. Biografias laudatórias em número incontável eliminaram as arestas mais desagradáveis dos Beatles, para mostrá-los do ponto de vista preferido dos fãs, como pessoas de bondade infatigável e quase sobre-humana. Logo depois da dissolução contenciosa da banda em 1970, os Beatles mesmos estavam cientes de que haveria disputas para contar sua história e tinham interesse pessoal e comercial em contá-la em seus termos. John, Paul, George e Ringo escreveriam cada qual uma autobiografia ou concederiam extensas entrevistas nas quais promoviam seu lado da história. Começando na metade dos anos 1970, trabalhei com todos eles em "The Love You Make", por fim publicado em 1983. Com conteúdo extraído de milhares de horas de entrevistas, o livro representava o primeiro esforço organizado da banda para ditar a narrativa em suas palavras. Mas esse olhar íntimo quanto à ascensão, queda e imortalidade incipiente do grupo era cru demais, e os membros sobreviventes renegaram o livro. Talvez estivessem satisfeitos com suas lembranças singulares e narrativas pessoais - mas não com qualquer coisa que se desviasse delas. Com a passagem do tempo e a cura das feridas, a morte de John Lennon em 1980 e uma avalanche de histórias e biografias, a banda realizou um segundo esforço para cimentar sua versão coletiva da história: "Anthology", de 1996, um livro e coletânea musical contendo duas canções inéditas dos "Beatles", com vocais de Lennon e acompanhamento de George, Paul e Ringo. "Anthology" representa o que existe de mais próximo a um consenso dos Beatles sobre os Beatles. Mas não pôs fim às narrativas desinformadas. Um cineasta que conheço me contatou recentemente para falar do "rooftop concert" e insistiu em que a polícia tinha "acabado com o show". Seria bacana, mas não é inteiramente verdade. A polícia apareceu, sim. Mas eu os recebi no topo do edifício e disse que éramos os donos do imóvel e que não havia como eles nos forçarem a suspender o show. Os policiais discutiram o assunto entre eles e nos pediram polidamente para baixar o volume, a fim de evitar problemas no trânsito da região e uma possível intimação por perturbação da paz. Àquela altura, Paul já tinha conseguido o terceiro "take" de "Get Back", e o show chegou ao fim. Ringo achou que uma prisão teria sido melhor para o filme, mas não foi o que aconteceu. Nos últimos anos, com a morte de meu amigo e companheiro no comando da Apple, Neil Aspinall, e do produtor e "quinto Beatle" George Martin, só restamos Paul McCartney, Ringo Starr e eu, dos dias iniciais da banda, para relatar os detalhes cada vez menos nítidos à posteridade. O resto cabe aos historiadores e à legião de fãs ainda crescente dos Beatles. Felizmente, para estes, não há coisa alguma a compreender incorretamente no acorde inicial de "A Hard Day’s Night", na doce melodia de "Yesterday" e no crescendo final de "A Day in the Life". Isso pertence a todos nós.
Fonte do texto escrito por Peter Brownwww1.folha.uol.com.br - Tradução: Paulo Migliacci

3 comentários:

Edu disse...

Excelente! E mais não digo.

Unknown disse...

Sensacional!

Dani disse...

Texto maravilhoso!