domingo, 2 de novembro de 2014

REVISTA POP ENTREVISTA GEORGE HARRISON - 1979

Matéria publicada na Revista Pop de março de 1979 e publicada aqui em 5 da maio de 2011.

“ME SENTI COMO SE ESTIVESSE DIANTE DE DEUS”Por José Emílio Rondeau
Eu cresci, da mesma maneira que minha geração, a anterior e algumas seguintes, admirando esse cara que está agora à minha frente. Junto com John Lennon, Paul McCartney, Ringo Starr, George Harrison formava a mais importante banda de rock de todos os tempos – e até mais que isso: juntos eles viraram o mundo ao avesso e passaram a representar tudo o que um adolescente queria. Eu tinha, então, apenas 13 anos – e me lembro como os Beatles estavam ligados a todas as coisas: contestação, psicodelia, cabelos longos, a gíria, a ascenção da guitarra, o rock. Os Beatles eram Deus e o Mundo. E hoje, aos 22 anos, eu estou diante de um daqueles quatro deuses, falando com ele um sonho real. Aos 37 anos, George Harrison é agora um homem maduro, sereno e simples, que cuida sozinho de seu jardim, vive com a mulher e com o filho de 6 meses, que gosta de música clássica indiana e de corridas de automóveis – foi para assistir ao Grande Prêmio de Fórmula 1 que ele acabou vindo ao Brasil, de surpresa, quando ninguém mais acreditava que viesse. Falar com ele foi como falar com minha própria adolescência. Ou como rever um velho amigo que nunca conhecera pessoalmente. Voltar aos tempos dos Beatles ... no fim da entrevista, George decidiu atender às fãs que há horas esperavam para vê-lo. Cercado por guardas de seguranças da gravadora WEA, teve que correr até o carro que ia levá-lo ao aeroporto, enquanto as meninas gritavam, socavam o capô, ativaram-se à frente. Quando finalmente conseguiu partir, fiquei vendo a poeira do Galaxie, com um nó na garganta. José Emílio Rondeau

HITPOP – Você, que era em primeiro lugar um guitarrista, agora está diversificando seus interesses, produzindo filmes, ligando-se a corridas. Como ocorreu essa mudança?
Bem, em primeiro lugar, eu sou um jardineiro. Passo a maior parte de meu tempo, hoje plantando: só em novembro, plantei mais de 50.000 mudas. Em segundo lugar, eu sou um compositor, em terceiro, um guitarrista; e em quarto, um cantor. Essa é mais ou menos a ordem. Em minha vida, tudo ocorreu mais ou menos como num trampolim: tocar guitarra levou-me a música, a música levou-me para os Beatles, os Beatles foram um trampolim para os discos, aí me envolvi com gente de cinema. Resolvi produzir o filme do Monty Python porque sou um fã deles, e quando os antigos financiadores se afastaram, eu entrei. Quanto às corridas, bem, eu gosto delas desde os 12 anos de idade, mas antes não podia ir a nenhuma, por causa da popularidade dos Beatles. Hoje posso, e vou.
Quando você lançou seu primeiro disco individual. All Things Must Pass (relançado agora no Brasil pela Odeon) houve uma grande reação positiva. Depois, na excursão de 74, as críticas foram totalmente negativas. Isso o afetou?
Tudo na vida é um ciclo: você sabe, depois tem que descer. Não é nada bom quando te criticam tanto, mas ajuda: ou você enlouquece e se mata, ou se fortalece. Além disso naquela excursão eu perdi a voz.

E hoje, em relação à sua carreira, como você se sente?
Eu não vejo meu trabalho como uma carreira. Faço ocasionalmente um disco porque gosto de compor, só isso. Não sou como Paul, que fez uma carreira excursionando com sua nova banda, gravando. Ele é viciado em trabalho, adora estar sempre tocando. Eu não, já tive minha superdose de fama. Hoje, prefiro ficar no meu jardim, não quero nunca mais ser famoso. Foi uma escolha , entende?

E quanto a John?
Acho que John não pega na guitarra há uns 3 anos. Ele vive no Japão e em Nova Iorque, tomando conta de seu bebê, Sean. Eu tenho um filho de seis meses, e é muito melhor ficar com ele, em casa, do que estar dizendo todas essas besteiras sobre os Beatles. Com todo o respeito que tenho pelos Beatles: aquilo foi bom para aquele tempo, mas... Sabe, algumas pessoas, como Paul, têm necessidade de estarem na televisão, nas paradas. Eu não.
Você não acha importante mostrar sua música?
Eu acho importante, quando você faz um disco, as pessoas saberem que ele existe. Seria uma vergonha se ninguém soubesse. Mas ser famoso, não. Te deixa maluco. Seria muito bom que todo mundo que todo mundo que quer ser famoso pudesse sê-lo, por uma semana, pra sentir como é duro.
A transição do trabalho em grupo com os Beatles para o trabalho individual foi difícil?
Foi fácil. Uma das razões da separação foi que todos nós escrevíamos um monte de músicas e gravávamos só três ou quatro. Era como ter prisão de ventre. Com o All Things Must Pass, então, eu finalmente pude ir ao banheiro: o disco tinha dezoito músicas, um alívio. Aliás, o disco de ouro que ganhei por ele está pendurado exatamente no meu banheiro. Trabalhar sozinho, então, foi fácil. Já que eu tinha as músicas.
Quando começaram as más vibrações entre os Beatles?
Em 67, quando John se juntou a Yoko. Antes tudo era muito bom, tudo. Havia turbulências, claro, passamos por coisas que ninguém imagina. Aí durante o filme Let It Be, as coisas estavam péssimas. Eu deixei a banda durante as filmagens, já estávamos cheios de tanta Yoko. Ela estava tentando entrar para os Beatles, então Paul arrumou Linda pra se apoiar. Foi demais pra mim, elas estavam em todos os lugares. Levei Eric Clapton pra tocar conosco em While My Guitar Gently Weeps porque, tendo alguém olhando, John e Paul teriam que tocar direito: os dois faziam tantas músicas que, quando chegava a minha vez, eles sempre tentavam estragá-la. Era como lidar com crianças, sabe? As pessoas pensavam que tudo era um mar de rosas. Mas nós vivíamos num inferno.
Qual a sua reação quando o empresário Brian Epstein morreu?
Me senti muito triste. Foi como se tivessem tirado nosso chão. Não sabíamos para onde olhar, nem pra onde ir. Até aquela época, nós não organizávamos nada, não sabíamos nada de negócios. Brian fazia tudo, era como um juiz, guia.
Os Beatles são considerados o início de tudo o que hoje é chamado rock. Você concorda com isso?
De certa forma, sim. Somos parte da história, embora em relação as todas as modificações da época nós tenhamos sido vítimas das circusntâncias tanto quanto os demais. Os Beatles foram importantes, sim, mas não éramos a resposta para os problemas do mundo. Fomos a melhor banda: até hoje não há nada igual. Mas o resto era bobagem, e havia tantas pressões... Sabe, foi importante que nós nos separássemos: um dia os Beatles cairiam. E é melhor fazer como Muhammad Ali: ganhar o campeonato e se aposentar, como Jackie Stewart fez na fórmula 1. Os Beatles, então, foram assim: nós ganhamos todos os campeonatos e depois nos aposentamos. Antes que começássemos a cair.
Por que vocês deixaram de se apresentar ao vivo tão cedo, em 1966 ainda?
Porque nossa vida era muito concentrada. Um ano era como vinte anos. O tempo todo havia pressões, imprensa, o público, voando de um lado para outro, tumultos em cada cidade. Um ano para cada um de nós, era uma vida. E, por volta de 65, 66, eu, por exemplo, me sentia como se já tivesse vivido trezentos anos.
Como foi que você começou a se interessar por assuntos espirituais?
Bem, um dia, eu, John e nossas esposas fomos jantar. E alguém colocou ácido em nosso café. Nós não sabíamos o que era aquilo, e ele nos disse: “Aconselho que vocês não saiam”. Depois, pensando que ele nos estava convidando para uma orgia em sua casa, saímos. Acabamos entrando em uma discoteca chamada Ad Lib – e uma porção de coisas incríveis começaram a acontecer. Parecia que estávamos na pré-estréia de alguma coisa, achamos que o elevador estava em chamas (havia apenas uma luz vermelha), e quando saímos dele estávamos todos gritando. Foi incrível. E depois dessa experiência de deixar meu próprio corpo, de ver meu ego, passei a procurar alguma coisa mais real. Então me liguei em música clássica indiana, fui a Índia, passei algum tempo com Maharishi Mahesh Yogi, em Bangor, para me encontrar.
Voltando ao Monty Python: como você começou a trabalhar com eles?
Eles são meus velhos amigos, Eric Idle, um deles, escreveu comigo o roteiro para o filme dos Ruttles, uma paródia dos Beatles feita pelo Monty Phyton, no qual eu até trabalhei. Os Ruttles foram uma liberação, pra mim, uma piada com os Beatles. E tudo deve ter um lado engraçado.
Você, que representou o rock de toda uma geração, como vê o rock dos anos 80?
Deverá ser bom. Mas sinceramente, não presto muita atenção a música que predomina hoje. Gosto de algumas coisas, como Elton John e Ry Cooder. Mas quando quero me sentir bem, ouço música clássica indiana, que tem suas raízes no espírito. Fim.

2 comentários:

Valdir Junior disse...

Saudades do "velho George " !!!

Fábio Simão disse...

Adora algumas coincidências. Estava ouvindo o All Things Must Pass quando resolvi acessar o blog hoje. E a data da entrevista, março de 1979, corresponde exatamente ao mês e ano que nasci.
Valeu por tudo, como sempre, grande Edu!