sexta-feira, 18 de janeiro de 2019

OS BEATLES - "DE BEATLES A MITOS" - REVISTA VEJA 1970


Esse textinho absolutamente fantástico que a gente confere agora, com a exclusividade de sempre do nosso blog preferido, tem um valor histórico inestimado. Foi publicado na revista VEJA de 13 de maio de 1970 - época da separação dos Beatles. É tão curioso que em certa altura, o autor questiona "e se a separação não pas­sar de um mero recurso publicitário?". Absolutamente sensacional, imperdível!
COM SEUS TRABALHOS SOLO A PLENO VAPOR, SOMENTE DETALHES CONTINUAM UNINDO JOHN, PAUL, GEORGE E RINGO.
Em um certo sentido, durante longo tempo, os j Beatles representaram dois milagres: o da música e o da democracia. Seus sons foram o veículo da revolta da juventude, subiram às alturas de Mozart e Beethoven e, de ruídos para a inconsequência dos adolescentes, tomaram-se ritmos da alegria de viver para moços e velhos. Ao mesmo tempo, os quatro jovens de Liverpool viviam a síntese ma­ravilhosa da liberdade individual para cada integrante da banda com o máximo de atuação criadora coletiva. Suas realizações chegaram aos limites do que qualquer jovem poderia imaginar como indivíduo ou como grupo. Suas roupas e seus cabelos multiplicaram-se pelo mundo: seus sons uniram Elvis Presley, Mozart e Ravi Shankar, a juven­tude, a música erudita ocidental e o grande citarista do Oriente. Agora, depois dos rumores de dissolução da ban­da que se arrastam há mais de um ano, os dois milagres pa­recem ter terminado bruscamente. E, nas últimas três se­manas, as notícias tomaram- se definitivas: indicam, pelo menos, o fim de uma época - a época dos Beatles. Sociedades anônimas - I read the news today, oh boy, começa uma das canções mais melancólicas da dupla Lennon & McCartney. “Eu li as notícias hoje, amigo”. Nos últimos dias de abril, Lennon leu nos jornais notícias realmente tristes. Seu antigo parceiro de lindas canções como “Yesterday” e “A Hard Days Night” não iria mais compor com ele e já não se interessava pelos Beatles. “Diferenças musicais, diferenças pessoais, diferenças comerciais”, ale­gava Paul em seus motivos de separação. O outro grande lí­der do conjunto respondeu no mesmo tom amargo e defi­nitivo: “Eu e Yoko rimos quando lemos essa m... nos jornais. Mas a história seria melhor contada em três quadros: 1) quatro caras em cena com um spot em cima; 2) três ca­ras saem do spot; 3) o cara restante anuncia, gritando, ‘eu vou partir!’. Mas todos nós já estávamos fora do spot”. Desde algum tempo, realmente, os quatro Beatles estavam deixando o foco, cada um para seu canto. Embora con­tinuassem gravando em conjunto alguns poucos LPs no ano passado, cada um estava mergulhado em sua própria busca individual. Lennon foi o primeiro a deixar a ribalta. Extre­mamente influenciado por sua mulher, Yoko Ono, artista plástica da vanguarda americana, ele se estendeu em ani­madas campanhas pacifistas pelas camas de grandes hotéis do mundo (os bed-in), numa violenta explosão de individua­lidade. Embora discutivelmente pacifistas, suas novas cam­panhas, como suas velhas músicas, estavam longe de orto­doxas. Expôs gravuras sugestivas e variadas de sua lua-de- mel, fez filmes mudos sobre seu pênis, seu sorriso e várias nádegas anônimas. E, em música, criou sua Plastic Ono Band, que já lançou um LP. Com quase 30 anos (que completará em outubro), cabelos curtos como os de Yoko, Lennon é hoje um homem rico, mas, aparentemente, considera sua época ultrapassada: “A beatlemania existe, é uma coisa latente, mas os Beatles para muita gente já são passado, coisa dos bons e velhos tempos”. E os novos tempos trouxeram para os Beatles todos os problemas da idade adulta - o fim dos sons da inocência, a companhia das mulheres e dos negócios. Esses problemas explicam o desligamento de Paul. Quando morreu seu empresário Brian Epstein, em 1967, ele ficou encarregado de grande parte dos negócios do império musical de Liverpool, especialmente a administração da gravadora Apple. “De repente, acordei um homem de negócios. Isso não me interessava. Hoje minha atenção está voltada para a famí­lia”. Esse desinteresse a que chegou o mais entusiasta dos participantes da Apple foi também influenciado por uma mulher. Depois de seu casamento com a fotógrafa Linda Eastman, Paul isolou-se e acabou associado ao sogro, Lee Eastman, a quem queria como empresário dos Beatles, no lugar de Epstein. Os outros três preferiam Allen Klein. Co­mo efeito, Paul anunciou que formaria uma nova compa­nhia, a McCartney & Co., e com ela daria início a seus pro­jetos individuais. Em seguida, em meados de abril, para divulgar seu primeiro disco-solo, McCartney, Paul distribuiu à imprensa uma entrevista na qual lançava tristes notícias: a destruição do conjunto. Os outros dois Beatles, mesmo sem o empenho e a au­toconfiança de John e Paul, também estão sendo forçados a escolher seus caminhos pessoais. O primeiro deles, George Harrison, parece ser o que tem maiores possibilidades de sucesso e longa vida individual. Foi pouco entrevistado, expôs-se raramente ao público e suas aparições e ativida­des sempre foram bem recebidas. Pesquisador de música indiana e simpatizante da filosofia Hare Krishna, George foi o primeiro grande líder da música jovem a divulgar no Ocidente os sons da cítara. Aos 27 anos, o guitarrista mos­tra que pode ter um bom caminho pela frente e já se prepa­ra para o fim: o produtor americano Phil Spector está cui­dando de seu primeiro disco individual, que começará a ser gravado no início da próxima semana. O quarto e mais apagado dos Beatles lançou há duas se­manas a sua primeira investida solo, o LP Sentimental Journey. Estranhamente, uma volta ainda mais profunda ao pas­sado: 12 velhas canções do repertório de Frank Sinatra e outros cantores românticos dos anos 50. Agora como can­tor, ele admitiu à revista Cash Box que, se seu disco “fosse lançado por um cantor desconhecido, certamente ficaria relegado às prateleiras”. Até 1977 - E se a notícia do fim dos Beatles não pas­sar de um mero recurso publicitário? Seguramente, ela está servindo para vender mais discos: o individual de Paul (McCartney) bate recordes nos Estados Unidos - 1 mi­lhão de cópias em pouco mais de dez dias. O de Ringo já está no hit parade americano, junto com Live Peace in To­ronto 1969, da Plastic Ono Band, de Lennon, e com os dois últimos dos Beatles (AbbeyRoad e a coletânea Hey Jude). Comercialmente, de fato, os Beatles não morreram. E, nas condições atuais, nem que o quisessem. Presos por contrato à Apple até 1977, podem gravar individualmente, mas estão impedidos de formar suas próprias firmas “em qualquer ramo ligado ao entretenimento”, a não ser autori­zado pela Apple e pelos outros três Beatles. A firma distri­buiu um comunicado oficial há duas semanas, lembrando (aparentemente à McCartney & Co.) essa proibição. Se os senhores Starkey, Lennon e Harrison concordarem com a criação da McCartney & Co., a separação comercial também será definitiva. A separação musical, porém, dispen­sa formalidade.

4 comentários:

easepol disse...

Tudo aqui é muito educativo em termos de Beatles.

Dani disse...

Muito boa a matéria.

Unknown disse...

Olá Edu! Acompanho todo dia o seu blog e é muito legal mesmo! Gostaria de um especial do baú do edu mostrando as traduções de todas as músicas dos Beatles. Desde o "please Please Me" até o "Let It Be".

Edu disse...

Vai sonhando meu filho, vai sonhando!