terça-feira, 2 de abril de 2013

DYONELIO MACHADO - OS RATOS - MUITO BOM!

Muitos são os motivos que colocam “Os ratos” entre os melhores textos da literatura brasileira do nosso século. Apontado por Mário de Andrade e por Guimarães Rosa como um dos mais importantes prosadores de sua época, Dyonelio Machado revela neste livro toda a mestria de um grande escritor. Contando a história de um homem simples, Naziazeno Barbosa — envolvido em uma dívida que tem com o leiteiro de sua rua —, o texto nos coloca em contato com uma aflição fundamental. Dividido entre a necessidade e o compromisso ético, Naziazeno passa por uma verdadeira via-crúcis para tentar obter o dinheiro. Depara-se então com uma série de situações e personagens que revelam de maneira crua o quanto a força do dinheiro interfere nas relações entre as pessoas. Escrito ao longo de apenas vinte noites, Os ratos foi consagrado com o Prêmio Machado de Assis, em 1935, e desde então tornou-se referência obrigatória da nossa literatura. Ao terminar de ler esta história, você certamente entenderá por quê.
Nascido em Quaraí, no Rio Grande do Sul, em 21 de agosto de 1895, Dyonelio Machado formou-se pela Faculdade de Medicina de Porto Alegre (1929), especializando-se em psiquiatria. Dois anos antes, publicara seu primeiro livro, “Um pobre homem”, dando início à carreira de escritor. Dedicou-se também ao jornalismo e à militância política, sendo eleito deputado estadual pelo Partido Comunista Brasileiro. Com a Revolução de 1930 e a ascensão de Getúlio Vargas ao poder, o Partido foi cassado e o deputado Dyonelio, preso. Outras prisões se repetiriam durante o Estado Novo. No intervalo entre uma e outra, Érico Veríssimo lhe sugeriu escrever um romance para um concurso de repercussão nacional. Em menos de um mês o texto ficou pronto, mas foi no cárcere (novamente) que o autor soube que o romance encomendado, "Os ratos", recebera o prémio Machado de Assis de 1934. A publicação, no ano seguinte, trouxe notoriedade a Dyonelio que mesmo assim permaneceu preso até 1941, quando abandonou a política militante. Em 1942 publicou “O louco do Cati”, outra grande obra. Novos romances, porém, só foram editados muitos anos mais tarde, nas décadas de 60, 70 e até 80. Passaram despercebidos ao público e à crítica até 1979, quando o escritor recebeu o devido reconhecimento. Dyonelio Machado morreu em 19 de junho de 1985, na cidade de Porto Alegre, onde residia.
Quando o senhor começou a se dedicar à literatura?
Eu já estava na Escola de Medicina quando isso aconteceu. E aconteceu como um relâmpago: escrevi um livro polémico (“A política contemporânea”, publicado em 1923), onde eu metia o pau no governo de então. Mas com base, porque nunca fiz nada que não tivesse base. Alguns, inclusive, reconhecem essa qualidade em mim. Eu tiro do ar a poesia, a imaginação, mas tudo tem base real, e isso eu creio muito importante em termos de literatura.
E como nasceu “Os ratos”, seu livro mais famoso?
A história se passa em um dia. Eu o escrevi em vinte noites - num dezembro, durante um verão maravilhoso -, após terminar meu trabalho como médico. O que eu escrevia de noite ia passando para a minha mulher ler. Todo o livro estava muito claro para mim, porque eu havia passado nove anos pensando nele, nove anos pensando nesse livrinho. Então eu saía para atender os doentes, no hospício onde eu era médico e nos dois hospitais onde também trabalhava, e, após tudo isso, ia para casa e começava a escrever. Uma mocinha que era empregada da Livraria Globo, a principal de Porto Alegre, me foi indicada pelo Érico Veríssimo para datilografar o trabalho. Num dia, eu levava uma folha manuscrita e pegava uma datilografada, e assim o trabalho ia avançando. Numa dessas vezes ela perguntou: "Escute, doutor, o Naziazeno vai ser feliz?" - o Naziazeno é o personagem central. Eu lhe respondi: "Leia tudo, que você vai ver". Foi assim que eu descobri que “Os ratos” era um romance.
Em 1935, o senhor recebeu o prémio Machado de Assis. Como foi isso?
Quando eu escrevi “Os ratos”, hesitei em mandar para o concurso da Academia, mas acabei mandando. Eu soube da premiação, quando estava preso, incomunicável, no porão de um navio estacionado no porto de Santos. Apesar disso, teve um sujeito que conseguiu me avisar do prémio.
O senhor foi político, psiquiatra, escritor; em quais destes papéis mais se realizou?
Eu não me considero realizado em nada.
Qual dos seus livros lhe agrada mais?
Primeiramente, eu vou pra qualquer dos meus livros negaceando - vocês conhecem esse termo gaúcho? Eu vou perguntando: "Será que eu leio?". Aí, eu vou lendo, lendo, e no final digo pra pobre da minha esposa: "Olha, esse livro é bom!". E ela aguenta essa minha opinião sobre meu livro! Agora, veja bem: pra mim, ou tudo presta ou tudo não presta. É muito melhor que o leitor faça a escolha.
E a crítica, como o senhor a vê?
A crítica entende como quer. Não há crítica boa ou má. A crítica é um momento, às vezes do próprio ledor, outras vezes pelo que está vigorando como escola etc. A crítica é tremendamente subjetiva. Veja só: Camões fez aquela coisa maravilhosa, que é Os Lusíadas, e depois vieram uns alunos de Coimbra e fizeram modificações, fizeram alterações sem sentido. De modo que a crítica para mim só tem um valor: polemizar! Mas a crítica é boa quando aponta coisas.
Até 1970, o senhor era pouco conhecido no Brasil todo. Mas, a partir daí, todo mundo tomou conhecimento de Dyonelio Machado. Como o senhor vê isso?
Eu temo que essa coisa fique muito grande e depois caia. Isso tem que vir devagar, às colheradas. Um cidadão, que havia ido a um sebo comprar um livro antigo, certa vez me perguntou: "Mas por que os seus livros estão sendo procurados?". Eu respondi: "Foi porque eu morri". Então ele me disse: "Ah, deixe disso!". Eu retomei. "Foi morte sim, porque somente depois de morto o escritor foi reconhecido”. Há várias mortes, e me pegaram para uma delas.
E essa morte é boa?
Não há morte boa. Mas, veja, eu falo de coisas simbólicas. Existem muitas coisas estranhas que têm o valor de coisas reais. Toda a vida se faz assim, não é? Eu acho que todos nós somos simbolistas: nós não somos nós, somos uma imagem de nós. Toda poesia é fundamental, mesmo na prosa mais prosaica.

3 comentários:

Leonardo Piccioni disse...

Uma vez tive que fazer um seminário sobre este livro, acabei interessando-me e li-o todinho. Livro fino, uma história ao mesmo tempo curta e complexa, muito involvente. Adoro!

Valdir Junior disse...

Não tinha ouvido falar ainda !!!
Vou procurar esse conto !!
Valeu Edu !!!

João Carlos disse...

A dica e o post são sensacionais. O Baú entra na literatura extra-música.Isto é bom.Muito bom!