Na primavera de 1965, quando aceitou um convite de longa data para jantar, George Harrison não tinha motivos para suspeitar que a trajetória de sua vida religiosa estivesse prestes a mudar para sempre. Filho de uma mãe católica e um pai anglicano pouco convicto, Harrison passara uma década afastado dos ensinamentos espirituais de sua juventude. Ao atingir uma idade em que se sentia confortável para imitar as escapadas de seu pai da missa de domingo, também ele começou a evitar aqueles períodos de tédio. Pregações impressionantes, porém desatualizadas, não tinham o menor apelo sobre ele. Como já ocorrera à sua irmã e a seus dois irmãos mais velhos, foi levado a um estado mental irreligioso, focando-se, ao contrário, nas preocupações usuais dos adolescentes e na banda que ele e seus amigos Paul McCartney e John Lennon haviam formado. Quando, no final das contas, os Beatles explodiram em um sucesso estratosférico e fama estelar, ele aproveitou tudo que o mundo material tinha para oferecer. Preocupações espirituais não passavam por sua mente.
Quando os Beatles estavam filmando Help! em Londres, Harrison e sua namorada convenceram John Lennon e sua esposa a se juntarem a eles em um jantar oferecido pelo dentista dos Beatles. Após o jantar, sem o conhecimento deles, o anfitrião lhes deu café batizado com LSD. Harrison depois relatou o que aconteceu: “Meu cérebro, minha consciência e minha percepção foram levados para tão longe, que a única maneira em que eu poderia começar a descrever isso seria como um astronauta na Lua ou em sua nave espacial, olhando de volta para a Terra. Eu estava olhando de volta para a Terra de minha percepção”.
O que ele encontrou por meio de sua percepção levada “para tão longe” veio como uma revelação. Na clareza arrebatadora de uma experiência com LSD, George inesperadamente encontrou Deus.
O reconhecimento pleno dessa descoberta não lhe veio senão meses depois. Naquela noite, em abril de 1965, ele apenas compreendeu que fora preenchido por uma emoção estranha e poderosa. Ele relembra: “Eu me apaixonei, não por algo ou alguém em particular, mas por tudo. Tudo era perfeito, em uma luz perfeita, e eu possuía um desejo incontrolável de andar pelo clube dizendo a todos o quanto eu os amava — pessoas que nunca tinha visto antes”.
Com o tempo, ele foi capaz de relembrar objetivamente a experiência, e percebeu que nessas horas incríveis acolheu o divino e foi por ele acolhido. Sua vida nunca mais seria a mesma. Esse primeiro grande passo em direção a um novo caminho levou a outros. Ele descobriu uma afinidade com a distante índia. Tomou-se amigo de Ravi Shankar e estudou a cítara. Aderiu ao yoga e começou a entoar cânticos. Estudou meditação com Maharishi Mahesh Yogi e apoiou a missão mundial de Swami Prabhupada. Tornou-se um devoto do Hinduísmo, visitando templos e lugares sagrados e estudando os escritos de seus homens sacros. Veio a adorar Krishna.
George trabalhou bastante para dominar seu próprio ego e dedicou grandes esforços para compreender a verdade escondida atrás desse sonho consciente que acreditava que nós habitamos. Assim que aprendeu a ver o mundo pelos olhos de um místico, Harrison passou a oscilar entre apego e desapego por ele. Preferia manter-se fora do centro das atenções, mas sua empatia por pessoas sofrendo do outro lado do planeta o levaram a comandar o primeiro super evento rock ‘n’ roll beneficente. Ele estava satisfeito com seu próprio relacionamento com a divindade, mas sentia a urgência de escrever músicas para despertar as massas “adormecidas”. Ainda que vivesse sua vida como um dos homens mais famosos do mundo, ficava sempre contente em vestir um macacão e botinas e participar do trabalho manual ao redor de suas propriedades.
Quando deixou o mundo material, sucumbindo ao câncer aos 58 anos, aqueles que o acompanharam em suas horas finais, além de sua família, foram os que compartilhavam de suas crenças espirituais - membros da Sociedade Internacional da Consciência Krishna e seu amigo de longa data, Ravi Shankar.
George Harrison viveu uma vida fascinante, única, e, no entanto, nunca perdeu a conexão com suas raízes. Ao mesmo tempo em que se equiparava a artistas brilhantes, titãs financeiros e líderes políticos do mundo, permaneceu um filho de Liverpool. À vontade com os homens sagrados, discutindo a sabedoria de Upanishads e o Bhagavad Gita, ele era sempre o rapaz pé no chão cujo pai dirigia um ônibus, cujos irmãos eram comerciantes, e que trabalhou como aprendiz de eletricista na Blackler até o dia em que seu destino o chamou.
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2 comentários:
Estou relendo HERE COMES THE SUN. Melhor que ótimo!
E rever esses vídeos dá uma saudade medonha.
O livro é muito bom, como o outra lançado aqui no Brasil, “Here coms The Sun - A Jornada Espiritual e Musical de George Harrison", mas eu queria ver lançado por aqui outros livros sobre ele, sem se fixar no lado espiritual dele. A Nova edição do "I Me Mine" bem que podia sair em edição nacional, mas fico sonhando.
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