quinta-feira, 30 de outubro de 2014

VIVER É FÁCIL COM OS OLHOS FECHADOS


Era 1966 e a ditadura de Francisco Franco ainda estava em voga na Espanha. Naquele ano, Antonio (Javier Cámara), um professor que ensina inglês aos seus alunos com músicas dos Beatles, viu pela TV que John Lennon iria a Almería, na Andaluzia, gravar um filme. Sem pensar muito, ele decide viajar até lá para conhecer o ídolo. Esse episódio, que de fato aconteceu, foi o mote para que o diretor David Trueba criasse Viver é Fácil com os Olhos Fechados (Vivir Es Fácil con los Ojos Cerrados, Espanha, 2013), filme vencedor de seis prêmios Goya, o Oscar espanhol, entre eles o de melhor filme, diretor, ator e trilha sonora. No ano que vem, o longa também pode concorrer ao Oscar de verdade, na categoria de melhor filme estrangeiro.

O maior desejo de Antonio é encontrar Lennon para pedir-lhe que os LPs dos Beatles tragam encartes com as letras das músicas. Ele mesmo, ao ouvir as canções, coloca as letras no papel, mas nem sempre consegue entender tudo. Com esse propósito, pega a estrada a caminho de Almería. O que seria apenas uma viagem para conhecer Lennon, no entanto, se torna a chance de bons encontros. Em uma parada em um posto de gasolina, Antonio conhece Belén (Natalia de Molina), uma jovem de 21 anos que diz estar a caminho da casa da mãe. Só bem mais adiante, saberemos o verdadeiro motivo de ela estar viajando. Um pouco mais tarde, o professor verá outro caroneiro na estrada. É Juanjo (Francesc Colomer), um adolescente de 16 anos com um penteado à la moptop dos Beatles, que saiu de casa porque seu pai, um militar, quer obrigá-lo a cortar o cabelo. Juntos, eles formam um grupo divertido, que se entrosa durante as horas que passarão juntos até Almería, destino final de Antonio e apenas escala para os outros dois -- Juanjo, na verdade, nem sabe bem para aonde está indo. Há um trecho engraçado da conversa do trio em que Antonio pergunta se os dois jovens gostam dos Beatles. Belén responde que sim e Juanjo diz que prefere Rolling Stones e Kinks, ao que Antonio para o carro num solavanco e o manda descer imediamente. Mas é apenas brincadeira dele.

Os três continuarão juntos por um tempo em Almería, Juanjo trabalhando no bar do lugarejo onde Antonio e Belén se hospederão, ela a convite do professor. É aí que se tornarão mais íntimos e será possível conhecê-los melhor. São, no fundo, três sonhadores. Para alguns críticos espanhóis, o roteiro exagerou no tom de ternura com que retrata uma história ocorrida durante o franquismo. Para outros, Trueba acertou ao focar em pessoas comuns que buscam seus sonhos em meio a um tempo difícil, já que as mudanças não aconteceriam sem os anônimos. O filme é realmente leve e às vezes soa ingênuo demais, mas é uma história boa de se ver, embalada por um clima de esperança juvenil. Os três atores também estão muito bem no longa. Natalia de Molina ganhou o Goya de atriz revelação por essa atuação. Francesc Colomer não fica atrás. Javier Cámara (Os Amantes Passageiros), de Pedro Almodóvar está excelente, como de costume. As imagens, as cores e a produção bem feitas criaram uma atmosfera real dos anos 1960. Lennon, quando esteve em Alméria em 1966, filmou a comédia Como Eu Ganhei a Guerra. A estadia o teria inspirado a compor Strawberry Fields Forever, música que diz "Living is easy with eyes closed", ou seja, Viver É Fácil com os Olhos Fechados, ótimo título para um longa que fala de sonhos em tempos difíceis.


2 comentários:

João Carlos disse...

Dá preula! Já estou ansioso!

Fábio Simão disse...

Gostaria muito de ver este filme.