sexta-feira, 29 de julho de 2016

ALL THIS AND WORD WAR - ASSIM FOI A II GUERRA

O ano de 1976, marcou o início de um monte de lançamentos relacionados aos Beatles. Tanto do catálogo oficial (relançamento mundial da discografia inglesa completa e de novas coletâneas) quanto de obras de terceiros que buscavam capitalizar sobre o repertório dos Fab Four. O primeiro e mais curioso deles – e, ironicamente, talvez um dos menos lembrados – foi o filme/disco “All This And The World War II”, uma espécie de documentário rigorosamente aleatório – na verdade um clipão de quase uma hora e meia de duração – , constituído unicamente de imagens de arquivo da Segunda Guerra Mundial da 20th Century Fox, e cenas de filmes e de todo o contexto cultural pop da época (além de Hitler, Mussolini, Stalin, Roosevelt e Eisenhower, também aparecem Clark Gable, Humphrey Bogart, Laurel & Hardy, entre outros) embaladas por canções dos Beatles em versões cover feitas por nomes tarimbados. https://outros1001discos.wordpress.com

A decisão de utilizar outros artistas cantando as músicas dos Beatles foi tomada pelos produtores do filme depois que eles perceberam o ganho adicional do dinheiro que poderia ser feita através da venda do álbum com a trilha sonora. E o resultado foi que a venda do álbum duplo gerou mais renda do que o próprio filme, que ficou apenas duas semanas nos cinemas quando foi lançado e foi fortemente arrasado pela crítica.

Aqui, a gente confere o artigo de Aramis Millarch originalmente publicado em 11 de abril de 1978 no Estado do Paraná e na internet pelo tabloide digital.
Assim foi a II Guerra (ao som dos Beatles)
O público adolescente - e mesmo infantil, alienigenamente condicionado ao consumo do supérfluo som pop internacional, é atraído a "Alucinados do Som e da Guerra" pelos cartazes que destacam os nomes dos ex-beatles, John Lennon e Paul McCartney, como autores de todas as músicas, interpretadas por nomes luminosos do rock atual, como Rod Stewart, Leo Sayer, The Bee Gees, Ambrosia, Elton John, Bryan Ferry, Keith Moon, Roy Wood, Frankie Valli, Tina Turner, Status Quo, entre outros. A surpresa que aguarda este público, entretanto, é grande: ao invés de assistir endiabrados guitarristas, percussionistas e cantores do chamado "som pauleira"- como tem aparecido em tantos filmes deste gênero, o musical-rock, as imagens de "All This And World War II " são totalmente inesperadas: cenas de guerra, rostos de políticos, estadistas e militares que lhe parecem totalmente estranhos, intercalados de curtos fragmentos de velhos filmes americanos, com atores e atrizes que, absolutamente, nada significam para um público que nasceu no final dos anos 50 para cá. Sem dúvida a idéia de Susan Winslow foi das mais interessantes. Trabalhando como montadora de filmes na 20 th Century Fox, percebeu que do imenso material existente sobre a II Guerra Mundial - documentários e filmes de ficção - poderia ser realizado um novo filme, embalado por canções de Lennon/McCartney, nas vozes de vários interpretes - capaz assim, de (in) formar a uma faixa de publico que praticamente desconhece o que foi a II Guerra Mundial (1939-1945), alguns aspectos importantes do conflito - que tão profundas feridas deixou em todo o mundo. O resultado é um filme interessante, a quem eventualmente goste do tema, mas que, ao menos para o público jovem do Brasil, pouco diz: são mínimas as informações detalhadas a respeito das causas da II Guerra, do desenvolvimento do conflito embora, cronologicamente, a montagem seja perfeita e, para aqueles que dispõe de uma informação anterior, o ritmo seja didático. Para garotos de 10, 13 e mesmo 17 anos, que tem lotado os vesperais do Astor, pensando em ver um "filme de alucinados pelo som" - como o idiota título dado no Brasil, sugere-a decepção é grande. Vale, entretanto, para provocar neles, curiosidade em torno do que teria sido aquela guerra, que lhe parece tão distante. Seria oportuno fazer até uma pesquisa, na saída do cinema, com a opinião dos jovens espectadores, perguntando-lhes o que sabem sobre a II Guerra Mundial - e se o filme lhes deu alguma informação a respeito. Para o público adulto - acima dos 30 anos, "Alucinados do Som e da Guerra" tem outro aspecto estimulante: tentar identificar os múltiplos fragmentos de filmes de Guerra, com atores e atrizes americanos, aproveitados por Susan Winslow, no desenvolvimento deste seu "All This And World War II". Aqui, também poderia haver uma melhor informação, com a colocação de legendas, dizendo o título do filme e os interpretes que aparecem em cena, pois, da forma que está, só mesmo um grande estudioso do gênero "filmes de guerra" poderia localizar todas as citações. Afinal, os pesquisadores Joe Morella, Edward Z. Epstein e John Griggs classificaram 94 títulos no básico "The Films of World War II"(The Citadel Press, 248 páginas, 1973, US$ 12,00), somente de filmes realizados entre julho de 1937 a novembro de 1946. Embora, basicamente, os fragmentos utilizados por Susan Winslow sejam deste período, houve também a utilização de seqüências de obras mais recentes, como do ataque a Pearl Harbor, em 7 de dezembro de 1941, no amanhecer de um domingo, pelos japoneses - recentemente revisto em "Tora, Tora, Tora" (co-dirigido por Akira Kurosawa e Richard Fleischer) - esta, aliás, uma das raras seqüências marcantes de "Ratos do Deserto" (The Desert Rats, 1953, de Robert Wise), com James Mason como o marechal Von Rommell, e Richard Burton, com um oficial inglês, aparecem. "Casablanca", clássico maior da Warner Brothers, que Michael Curtiz concluiu em novembro de 1942, também é incluído: Humphrey Bogart (1900-1957) dialogando com o pianista Dooley Wilson, só faltando mesmo que ele dissesse a celebre frase "Play It Again, Sam" e se ouvisse as notas de "As Times Góes By". As citações vão dos mais ingênuos filmes de guerra, como de uma comédia como Gordo e o Magro (Oliver Hardy, 1892-1957) Stan Laurel, 1890-1965) até cenas das mais vigorosas, de obras como "Confessions of a Nazy Spy" (1939, de Anatole Litwak), "A Yank in the RAF" (1941, de Henry King, "Wake Island" (1942, de John Farrow) e "Imortal Sargeant" (1943, de John Farrow) e Atores que se alistaram e atuaram na Guerra, como James Stewart (hoje aos 70 anos, brigadeiro da reserva), Clark Gable (1901-1960) e Tyrone Power (1914-1958), também aparecem em cenas documentais. Enfim, "Alucinados do Som e da Guerra" é uma espécie de "Isso foi a II Guerra Mundial", numa visão digestiva de Susan Winslow, que, propositadamente omite, certos aspectos: mais chocantes: a perseguição anti-semita e a explosão de bombas atômicas em Hiroshima e Nagasaki. Com uma equipe de 7 pesquisadores para remexer arquivos cinematográficos das forças armadas, da 20 th Century Fox e até da Universidade of Califórnia of Los Angeles (a respeitada UCLA), mais um pesquisador de jornais - cujas manchetes ajudam a localizar o desenvolvimento cronológico, Susan Winslow fez um filme, no mínimo, curioso. Afinal, ao invés do som das sinfonias e marchas militares, as cenas de guerra, dos bombardeios sobre Londres, do ataque a Pearl Harbor, do medo e terror, na Europa, da ocupação da Alemanha, e tantos outros acontecimentos terríveis da II Guerra, são embalados ao som de vozes como Helen Reddy cantando "The Fool On The Hill" ( apropriadamente para sonorizar as imagens de Hitler, antes do inicio da guerra, passando ferias numa colina na Baviera), o grupo Ambrosia cantando "Magical Mystery Tour", Elton John com "Lucy In The Sky With Diamonds" com cenas de artilharia pesada, David Essex cantando "Yesterday" quando se vê seqüências da guerra no Pacífico e a antológica "Michelle", na voz de Richard Cocciante, quando as tropas aliadas libertam Paris. Enfim, a guerra não foi rock. Foi sangue, suor e lágrimas, como disse Churchill que ao lado de Stalin, Roosevelt e até de Joseph Kennedy (pai de Robert, John e Edward, em 1938, embaixador dos EUA na França), aparecem em algumas seqüências documentais. Mas "Alucinados do Som e da Guerra" é um filme que merece o destaque, e que se para a garotada tem um "careta" gosto de ficção, para os mais velhos é mais um testemunho de uma trágica - e recente - realidade. Que não deve, jamais ser esquecida para que não volte a se repetir.

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