Aqui, a gente segue com a leitura do do livrão "The Beatles - A Biografia", de Bob Spitz, com outra parte capítulo "Era Uma vez na América" – iniciada há dois dias, nas postagens sobre a apresentação no Ed Sullivan. Agora, os Beatles estão em Washinton D.C. – foram de trem, debaixo de neve. Como já sabemos, no Coliseum, eles arrebentaram e estavam bem radiantes durante e depois do espetáculo. Infelizmente, na festa da embaixada, uma idiotinha estragou tudo. Vamos conferir?
O Washington Coliseum era o maior lugar em que já haviam tocado, um antigo ginásio de 18 mil lugares no centro da cidade, que sediava principalmente lutas de boxe e jogos de hóquei sobre o gelo. Brian não os havia preparado para o tamanho do lugar, tampouco havia dito alguma coisa sobre o palco incomum. A estrutura tinha sido montada como para uma luta de boxe, o que significava que tocariam em uma plataforma no meio de um círculo, uma disposição que exigiria a movimentação dos equipamentos a cada poucas músicas.
O espetáculo foi aberto por três atrações que aqueceram a plateia: um grupo
britânico chamado Caravelles; o velho amigo Tommy Roe, companheiro da primeira
turnê no Reino Unido; e as Chiffons*. Os planos dos Beatles de assistir ao
número das garotas foram descartados quando Murray the K apareceu sem avisar,
determinado a transmitir seu programa do camarim deles. Foi quase um alívio
quando chegou a hora de tocar. *George foi processado e condenado em 1986 a
pagar uma indenização de 587 mil dólares à Bright Tunes - seu sucesso solo “My Sweet
Lord” (1970) teria infringido os direitos autorais da canção “He’s Só Fine”,
das Chiffons.
Na maioria dos auditórios circulares, os artistas entram em cena por túneis
subterrâneos, mas ali, devido ao rinque, era impossível chegar ao palco sem
marchar entre a plateia. Então, Harry Lynn, o produtor, mandou três DJs com perucas-Beatles
irem distrair a multidão, enquanto os rapazes, cercados por quarenta
seguranças, passavam rápido pelo corredor sob uma ensurdecedora rajada de
gritos. Uma explosão ofuscante de flashes banhou o ginásio de luz. E, então, outra
onda de gritos, mais altos e mais descontrolados ecoou pelas paredes. “A reação
da plateia foi impressionante”, Paul comentou sem fôlego alguns minutos após o show,
classificando aquela como “a recepção mais espetacular que já ouvi na vida”.
Logo que chegaram ao palco, os Beatles souberam que aquela não seria uma
apresentação qualquer. A atmosfera era elétrica e vagamente perigosa, com um
público inflamado que fazia lembrar lugares como o Wilson Hall, em Garston. Destemidos,
eles se acomodaram em um palco do tamanho de um selo postal, com fãs transbordando
pelas beiradas.
Era como uma “corrida de obstáculos” em meio a braços que
tentavam agarrá-los e cabos que serpenteavam pelo chão. Ringo se equilibrava
precariamente em cima de uma plataforma circular que, sob circunstâncias
ideais, deveria ter funcionado como base para a sua bateria. Os amplificadores,
empoleirados, ameaçavam tombar sob a menor provocação.
“Boa-noite, Washington!”, gritou Paul ao microfone, dando tempo para os outros
ligarem os instrumentos e tomarem fôlego. Uma equipe de filmagem estava gravando o espetáculo para futura transmissão por
canal fechado, e desde os primeiros acordes de “Roll Over Beethoven” a plateia
— adolescentes na maioria ficou ensandecida. Várias dezenas de policiais
contornavam o palco, observando a plateia com apreensão, para logo entrar em
ação, agarrando fãs que tentavam pular sobre o conjunto. “Todos os
ingredientes da Beatlemania estão aqui em Washington”, relatou a NME,
incluindo, como a publicação notou, “o arremesso de confeitos ‘feijõezinhos’ e
jujübas” — não as jujubas macias e moles da terra natal, mas suas primas
americanas, mais duras, chamadas de “jelly babies”. “Naquela noite, nós fomos
exatamente fuzilados por aquelas malditas coisas”, lembrou George. “Para piorar
as coisas, estávamos em um palco aberto para todos os lados, então elas nos
atingiam de todas as partes [...] saraivadas de miniprojéteis duros como pedras
chovendo sobre a gente”.
No fim das contas, isso não fez a mínima diferença para a qualidade do espetáculo.
A apresentação dos Beatles naquela noite foi iluminada por algo especial, vindo
de dentro. Eles tocaram com a intensidade eletrizante, anfetaminada vista pela
última vez em Hamburgo, indo muito além das usuais apresentações eficientes e
rigidamente controladas. “Ringo, em particular, tocou feito um louco”, escreveu
Albert Goldman, “revelando um fogo que ninguém suspeitava existir sob seu
estilo discreto”. Era menos um menosprezo pela habilidade de Ringo do que a
revelação do poder implícito contido em seu estilo enérgico e Consistente. Algo
primitivo o dominou transformando cada impulso, cada batida, em energia pura.
Seus braços sacolejavam febrilmente e sua cabeça sacudia com um balançar
demoníaco, fazendo-o parecer, por vezes, convulsivo e, por outras, dinâmico e
hercúleo.
Nem importava que “a acústica fosse horrível” ou que o equipamento
tivesse de ser apressadamente ajustado depois de cada música. Nem isso, em
nenhum momento, interrompeu a fluidez ou a tensão contagiante que se espalhavam
pelo ginásio. Durante a última música, uma versão fantástica e banhada de suor
de “Long Tall Sally”, a plateia manteve-se de pé, gritando descontroladamente
em um único e ensandecido urro.
Depois, os Beatles ficaram atordoados de exaustão e euforia. Ringo, em
especial, estava encantado com os fãs. “Eles poderiam ter me rasgado em pedaços
e eu não me importaria”, disse nos camarins, encharcado de suor. O show durou
apenas 28 minutos.
Os Beatles não ficaram para nenhum tapinha nas costas de última Hora. Ao
contrário, foram rapidamente levados para a embaixada britânica, a alguns
quilômetros do ginásio, onde uma festa regada à champanhe e um baile de
máscaras beneficente em sua honra os esperava. Esse era exatamente o tipo de
coisa que eles evitavam rotineiramente, festas cheias de engomadinhos e de
outros tipos refinados que os viam como uma novidade a usufruir. A embaixada
estava lotada de diplomatas britânicos bem-vestidos e suas famílias, a quem os
Beatles ofereciam um lampejo muito bem-vindo de orgulho nacional. Bandejas de
comida refinada se estendiam de um lado ao outro do salão de festas. Quando os
rapazes fizeram sua entrada descendo por uma grandiosa escadaria em forma de
cisne pata a rotunda, todos os presentes se voltaram para recebê-los. Foi um
gesto extremamente simpático. O embaixador britânico, Sir David Ormsby-Gore,
mostrou-se agradável e hospitaleiro, e chegou a rir quando Ringo, que o olhou
de cima a baixo, perguntou: “Então, o que o senhor faz?”
Mas, afinal, era uma festa da embaixada, uma ocasião bastante pomposa e que nem
de longe tinha o tipo de público que agradava aos rapazes. Disseram a eles que
seria uma “festinha tranquila” para os atribulados funcionários da embaixada,
mas o prédio estava tomado por uma multidão agressiva e antipática — “uma
porção de deslumbrados metidos”, como George Martin os descreveu. “As_ pessoas
nos focavam quando passavam por nós”, relembrou John, nada contente com a
situação. Segundo Ringo, foi como se os Beatles estivessem em exposição, “como
num zoológico”. Paul fez o máximo para “trocar gentilezas” com os convidados,
mas aquilo foi demais até para ele. Quando uma “mulher levemente bêbada” o
envolveu com os braços e quis saber seu nome, Paul, respondeu: “Roger. Roger
McClusky Quinto”, antes de se esquivar.
Naquela noite foi Ringo quem, imitando ironicamente o sotaque da aristocrática
faculdade de Eton, conseguiu convencer John a não fazer uma cena enquanto
anunciava os vencedores da rifa da embaixada, desafiando os ganhadores a trocar
suas cópias autografadas de Meet The Beatles por uma de Frank Sinatra. No
entanto, durante o desenrolar do sorteio, uma debutante se esgueirou por trás
de Ringo e cortou um chumaço de seu cabelo com uma tesourinha de unhas. Aquilo
já era demais. Ringo virou-se e disse: “Que diabo você acha que está fazendo?”
Ele estava furioso, totalmente fora de si. “Este pessoal aqui é aterrorizante —
muito pior que as fãs”, ele espumou. John rumou para a porta, balbuciando xingamentos,
com Ringo logo atrás dele, pedindo um táxi. Foi o melhor que puderam fazer para
evitar uma cena. “Eles estavam muito tristes”, lembrou o fotógrafo Harry Benson,
que fazia parte da comitiva dos Beatles. “John, em particular. Eles não ficaram
enraivecidos. Estavam humilhados”.
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