quarta-feira, 22 de fevereiro de 2012

O DIA QUE PAUL MANDOU TODOS "PRO PAU"!

Em meados de fevereiro de 1971, Paul entrou com o processo, requisitando uma auditoria nos negócios e um curador que administrasse provisoriamente os bens da Apple. O objetivo indireto, porém, continuava a ser expulsar Klein, embora Paul não tivesse como explicar isso aos outros três (ninguém estava falando com ele). O processo acabou se tornando um julgamento objetivo sobre a capacidade de Klein de gerir os negócios. Feita a análise de muito material contábil, a defesa de Paul encontrou um documento que indicava ser Klein um administrador não-confiável: um cheque. Ele teria direito a 20% sobre uma renegociação com a Capitol Records para que se elevasse de 17,5% para 25% os direitos dos Beatles sobre a vendagem de discos. Assim, o percentual correspondente a Klein seria de 20% dos 7,5% que ele obtivera a mais. Mas Klein recebera 20% sobre o total dos direitos de venda. Depois disso, a Justiça deu ganho de causa parcial a Paul McCartney, determinando que um curador administrasse a sociedade até um processo e uma sentença futuras. Superado o trauma da dis­puta judicial entre si, os Beatles, para livrar-se de Allen Klein, tiveram de continuar o processo contra ele até 1977 - quando, por acordo judicial, Klein recebeu 4,2 milhões de dólares para retirar-se da Apple. Para entendermos melhor esse triste episódio da carreira dos Beatles, a gente confere agora um trecho do livro "Paul McCartney - Uma Vida", de Peter Ames Carlin. Espero que gostem. Abração a todos!
“Anos atrás, Jim McCartney, depois de ter seu relógio roubado, pegou os ladrões e levou-os à polícia e depois ao tribunal, para que se fizesse justiça. “Não deixem que ninguém leve o que é seu”, ele disse aos filhos, e agora essas palavras estavam ecoando nos ouvidos de Paul. De volta ao seu exílio na Escócia, naquele verão, ele passou horas, dias, semanas, fumegando e se inquietando. Klein! Como era possível que ele estivesse sugando vinte por cento do dinheiro dos Beatles? Como era possível que seu nome emporcalhasse a contracapa do disco solo de Paul? Como era possível que alguém que dizia estar trabalhando para os Beatles não atendesse aos seus telefonemas? "Fazendo com que eu me sentisse como principiante, como se Klein fosse o chefe e eu não fosse nada", Paul despejou com franqueza para Jann Wenner. "Sou veterano; penso que minha opinião é tão boa quanto a de qualquer outro, em especial quando se trata das minhas coisas."
Todavia, na medida em que os outros Beatles se recusavam a trabalhar com ele, e na medida em que persistiam na contratação de Klein, Paul ficaria trancado no pior dos mundos — sem a assistência criativa e a amizade de seus parceiros, mas com a perpétua contrariedade do empresário de quem não gostava e em quem não confiava. Pior de tudo, o dinheiro que Paul ganhasse com seus próprios discos iria para o monte comum da Apple, para ser repartido com os outros três e, mais terrível ainda, com Klein. Só pensar nisso já o deixava furioso. E ele não podia fazer nada. Com exceção de um pequeno detalhe, como lhe lembrou o cunhado John Eastman. Ele podia entrar na justiça para dissolver a parceria.
Iniciar um processo contra os Beatles? Arrastar seus velhos amigos e parceiros, os adorados cabeludos, os quatro fabulosos para as malhas da corte civil? E não sair do tribunal da opinião pública como o mais repugnante Blue Meanie do mundo? Ele nem podia imaginar isso.
"Passei o verão inteiro lutando comigo mesmo", afirmou ele. "Era dilacerador. Eu fiquei o verão inteiro com um nó no estômago. (...) Primeiro, eu disse não, não podemos fazer isso! Vamos aguentar. Mas todas aquelas pequenas coisas continuaram a acontecer." No fim das contas, John Eastman veio visitá-los, e os cunhados passaram horas falando sobre o assunto, andando pelas colinas e admirando os cenários. Como seria feito o processo, como seriam os depoimentos deles, como as roupas mais íntimas e fétidas do grupo seriam lavadas em público. Horrível demais para contemplar. Mas, em seguida, Paul se lembrava de Klein novamente e da perspectiva de permanecer sob o domínio daquele sujeito vil. Numa determinada tarde, no alto de uma colina, admirando a superfície escura e ondulante de um lago, Paul compreendeu finalmente que não tinha escolha. Klein havia roubado seu relógio, chegara a hora de pegá-lo de volta. "Ah, temos de fazer isso", afirmou, e seu cunhado concordou.
John Eastman já vinha se preparando para o caso, pesquisando a contabilidade da Apple, procurando discrepâncias e erros. Ele juntou uma série de queixas mais do que suficientes para compor a base de uma contestação legal. Assim, no dia 15 de novembro, Paul deu enteada em seu processo judicial, reclamando em termos claros que os Beatles se desfizessem em todos os aspectos, formas e modos. As notícias de Paul McCartney versus John Ono Lennon, George Harrison, Richard Starkey e Apple Corps. Ltda. tornaram-se públicas no dia 31 de dezembro. No começo do Ano-Novo, tudo veio à tona.
JOHN LENNON NÃO PRECISAVA de litígio civil para abrir o jogo. Entrevistado por Jann Wenner, da Rolling Stone, no princípio de dezembro, o músico transformado em ativista pela paz promoveu um passeio errante pelos seus mais sombrios pensamentos e suspeitas. Os Beatles, declarou, eram "grandes cretinos" que tinham varrido o mundo feito cossacos; violentaram, pilharam, fizeram as coisas mais perversas da forma mais notável. Mas John se sentia vitimizado pela experiência. Ele tinha sido depenado pelos homens de negócios e manipulado pelos empregados. Ainda assim, o tratamento mais brutal tinha partido dos assim chamados amigos da banda, que resistiram à sua arte, humilharam sua mulher e eram, em geral, "as pessoas raivosas mais conceituadas do mundo". Então, houve isso. E muito mais, quando se tratou de Paul, cujo primeiro álbum solo foi descartado, de modo sucinto, como "lixo".
Publicados em duas partes, nos meses de janeiro e fevereiro, os pensamentos de John soaram aos amigos como mais uma manifestação de seus humores volúveis e de sua língua boxeadora. "Ouvi versões como aquela durante anos", diz Ray Connolly. "Era sempre histrionice, John exagerava para fazer graça. Mas, na Rolling Stone, Wenner não percebeu isso. E fez com que tudo ecoasse de modo horrível, amargo e perverso."
Paul fez o melhor que pôde para parecer animado. "Era tão extremado que realmente me divertiu", ele disse à revista Life. "Essa hostilidade aberta não me magoou. É bacana. É John."
Em segredo, porém, não era nada bacana. Vindo de John, a pessoa que sempre vira Paul com mais clareza, o parceiro de quem dependera para identificar suas forças e peneirar suas fraquezas, era devastador. "Eu me sentei e matutei cada parágrafo, cada sentença", relembrou Paul. "E pensei: 'Sou eu. Eu sou. Sou exatamente assim. Ele me compreendeu tão bem. Sou um cocô, sabe."
Era apenas o começo, uma vez que o processo movido por Paul para dissolver a sociedade dos Beatles continuava rolando. Todos os Beatles foram convocados a depor no caso, e todos forneceram profundas e pouco lisonjeiras compreensões acerca do funcionamento interno do grupo e do papel de capataz desempenhado por Paul. Ringo tentou ser generoso, observando que Paul era o "maior baixista do mundo". Mas, em seguida, "ele agia como uma criança mimada (...) teimava até conseguir fazer tudo do seu jeito". George disse praticamente a mesma coisa, com exceção do elogio à habilidade de seu ex-colega de escola no baixo, e deu especial ênfase à sua "atitude superior". John duplicou suas críticas na revista Rolling Stone, acrescentando que Paul tinha uma fraqueza por música do tipo pop, sem vigor, e não compartilhava o gosto musical dele e de George "que agora se chama underground".
Todos os outros Beatles estavam ansiosos para resolver seus problemas de forma amigável, e talvez até retomar uma colaboração (?). Pelo menos foi assim que eles se sentiram, até que Paul os atacasse no tribunal. "Eu ainda não consigo entender por que Paul agiu daquela maneira", George concluiu.
Em outras palavras, se o mundo ainda se perguntava quem exatamente havia desmembrado seu grupo de rock mais adorado, a morsa era Paul.
Paul assistiu à maior parte do julgamento com Linda a tiracolo, testemunhando pessoalmente sobre a falta de pulso no corpo colaborativo dos Beatles e citando a própria canção de John, "God", e sua última afirmação de "Eu não acredito nos Beatles" como prova definitiva. Quanto mais avançava, pior ficava. Paul disse que Klein tentava se engraçar para seu lado xingando John, e especialmente Yoko, quando o casal não estava por perto. "Sabe por que John está furioso com você?", Paul recordou Klein cochichando para ele. "Porque você se saiu melhor em Let It Be." As evidências se amontoavam. Toda a alegria, a magia e o amor dos Beatles tinham se reduzido a uma recitação amarga de lucros acumulados, investimentos feitos e per­didos, negócios fracassados e insultos proferidos. O juiz, Dr. Justice Stamp, passou algumas semanas garimpando as ruínas e, em meados de março, anunciou que Klein havia dado a Paul inúmeras razões para desconfianças e insatisfação. Stamp indicou um interventor para tomar conta do patrimônio dos Beatles, e livrou Paul do controle de Klein. Foi assim que o processo começou, de qualquer forma, pois ainda iria caminhar de diversas maneiras e por vários fóruns legais, durante a maior parte da década. Ali, era o fim, de fato. Muitos anos depois, após incontáveis ações judiciais, contestadas e retomadas, e sem entrar em maiores detalhes aqui, Klein foi considerado culpado de excessos financeiros suficientemente graves para levá-lo à prisão, por dois meses, e George se desculpou com Paul. "[Ele] disse: 'Bem, sabe, obrigado por nos tirar daquela encrenca'", Paul se lembra de ouvi-lo dizer uma única frase de reconhecimento pelo inferno que passaram: “Foi melhor do que nada”.

7 comentários:

Valdir Junior disse...

Esse Allan Klein era um parasita , ainda bem que o Paul não caiu em tentação com ele ( talvez porque o Paul sempre foi o mais " comercial " dos 4 e menos facil de se enganar )e botou pra quebrar !!!
Já pensou se ele tivesse botado a mão , hoje em dia tudo dos Beatles teria aquele logo da ABKCO !!!!

Se os outros não agradeceram ao Paul , todos os fãs agradecem !!!
THANK YOU PAUL !!!!

Joaquim J. Rosa - PE disse...

"Todo remédio bom, é amargo". Tinha de ser assim. Joaquim - PE

Leonardo Polaro disse...

O perfeccionista livrou a cara dos ´´preguisosos´´.

henrique disse...

Então é como eu acreditava (e agora mais ainda) o Paul estava certo,desde o começo, em não querer o Klein. Esse cara também não empresariou os Stones???

Blog do Desembargador do Futuro disse...

Cara,lendo esse texto eu fiquei com uma raiva dos outros pelo fato de magoarem Paul dessa forma. Excelente post Edu, tu consegue fazer o cara se sentir na cena do período.Brilhante.

Evelize Volpi disse...

Edu...li esse livro e acho que essa passagem se encaixou PERFEITAMENTE na sua postagem.Parabéns!

Evelize Volpi disse...

Edu...li esse livro e acho que essa passagem se encaixou PERFEITAMENTE na sua postagem.Parabéns!